Bandas da Região de Montenegro: das típicas ao jazz e popular, recordações que remontam o século XIX

19/05/2014 09:52
Por  Cristina Rolim Wolffenbüttel

                       

            Há anos a Região de Montenegro tem sido palco de apresentações artísticas de diversas modalidades, incluindo a música, as artes visuais, o teatro e a dança. Em se tratando de música, foi marcante a influência que os conjuntos instrumentais de anos anteriores tiveram na formação do cenário musical da localidade. Atualmente, ainda podem ser encontradas referências sobre esses grupos que contribuíram para a formação da cultura musical local. Dentre estes, destacam-se as bandinhas típicas alemãs. A esse respeito procurar-se-á lembrar um pouco da história.

A Região de Montenegro (WOLFFENBÜTTEL, 1996), localidade composta pela cidade de Montenegro, seus atuais distritos e distritos emancipados[1], contou com dois tipos de grupos musicais: um deles com repertório erudito, incluindo trechos de ópera, danças de balé, músicas de concerto, entre outros gêneros musicais; e um outro tipo, com repertório popular, que executava músicas populares alemãs - pois houve um predomínio efetivo desta etnia dentre os instrumentistas - músicas brasileiras, músicas populares regionais - como as rancheiras, xotes, baiões, etc - e músicas estrangeiras em geral - com ênfase, em alguns anos, no Jazz. Contudo, o que predominou na época foi mesmo a bandinha típica alemã.

            Buscando a origem da banda, verifica-se que esta é o conjunto de instrumentos musicais de sopro e percussão, às vezes ligados à música militar. Todavia, no Brasil, houve uma diferenciação entre banda militar e banda civil. A diferença encontra-se em algumas particularidades.

As bandas militares, de formação variada, atendem, às necessidades da caserna [...] as bandas civis se transformaram em instituição de importância ímpar na vida musical, social e cultural do interior brasileiro [...] participam da vida na comunidade tocando em festas, enterros, solenidades [...] apresentam-se [...] com flautim, flauta, requinta, clarinete em si bemol, trompetes, bombo, caixa clara, surdo e pratos. (ZAHAR, 1985, p.33).

 

Nas bandinhas típicas da região de Montenegro também predominavam os instrumentos musicais, mencionados anteriormente.

A Banda São João, de Harmonia, uma das bandas muito mencionadas nas entrevistas realizadas durante ampla pesquisa sobre o assunto, foi formada no ano de 1919, tendo durado até 1929, quando veio a se dissolver. Vários músicos integravam-na, sendo a seguinte a formação instrumental: três trompetes (José Aloísio Colling, João Edmund Streit e José Aloísio Simon), três clarinetes (Albino Heck, João Arthur Altenhofen e Nicolau Finger), quatro trompas (Nicolau Nonemach, Balduíno Edvino Hartmann, Jacob Bruno Hartmann e Ernesto Pereira), dois trombones (Vendelino Colling e José Verlang), dois baixos-tuba (Miguel Colling e José André Weissheimer), uma requinta (Jacob Reinoldo Hoff) e um bombardão (José Estanislau Hartmann). Esta banda teve como mestres Jacob R. Hoff (regente) e José Boll Filho (subintendente).

Banda São João, de Harmonia, em 15/08/1927.

Após a dissolução da Banda São João, alguns integrantes resolveram organizar outros grupos instrumentais. Surgiu, então, a Banda Ideal, constituída em 1942, tendo como regente Jacob Reinaldo Stoffel. Sua duração, porém, foi curta, pois em 1947 finalizou suas atividades. Dentre os instrumentos musicais integrantes, constavam três clarinetas (Albino Heck, Afonso Calsing e Nicolau Finger), duas trompas (Balduíno Weissheimer e Roberto Theobald), dois trompetes (Pedrinho Polter e Aloísio Calsing), um bombardão (Bernardo Noschang), um baixo (João Wendling), um trombone (Libório Hartmann), um barítono (Miguel Colling), um bombo (Edgar Fink) e uma farola (Tarcisio Wendling).

Banda Ideal, de Harmonia, em 18/12/1949.

 

             Anos mais tarde, em 1964, a região pode ver a formação da Banda 1° de Abril. Esta banda, de acordo com Libório Rudolf Hartmann, em entrevista realizada no dia 29 de maio de 1993, em Harmonia,

 

foi fundada com alguns dos músicos que integravam as antigas bandas. Era, porém, um grupo um pouco menor, o qual incluía, até, um acordeão, executado por João Lauermann. Faziam parte, também, dois trompetes, executados por Nestor Hartmann e Libório Rudolf Hartmann, duas trompas, com os instrumentistas, Erno Hack e Paulo Colling, uma clarineta, a cargo de Ernani Hartmann, e uma bateria, cujo músico era Albino Fink. (HARTMANN, 1993).

           

Estas, porém, não foram as únicas bandas de Harmonia, tampouco, as mais antigas. Por volta de 1889 já funcionava um grupo musical com um número um pouco menor de instrumentistas, formado por um clarinetista, Felipe Schuster, um trompetista, João Wollmann, dois trompistas, um instrumentista de baixo-tuba, e três percussionistas, cada um com os seguintes instrumentos musicais: um bombo, executado por João Weissheimer, e os pratos, cujo nome do instrumentista não foi encontrado.

 

 

Primeira Banda de Música de Harmonia, fundada em 1889.

 

Além dos instrumentos musicais destas bandas, é relevante mencionar seu repertório. Dentre os gêneros musicais executados apareciam valsas, polcas, dobrados, xotes, corridos, marchas e mazurcas. As músicas de origem europeia e, principalmente, as alemãs, também eram utilizadas pelos grupos. Muitas das partituras provinham diretamente da Alemanha; outras, em menor número, eram adquiridas no Brasil; outras músicas, ainda, eram compostas pelos próprios integrantes das bandas, bem como pelos seus regentes. Com esta instrumentação e repertório, os festejos eram animados no interior de Montenegro.

            Tanto a música era um elemento constante na vida do povo local - o que ainda vigora - que as bandas da região foram muito reconhecidas, tanto em âmbito nacional, quanto internacional. Foi o que aconteceu à Banda Luar, de Brochier, fundada em 1958, por Benno Willibald Müller. De acordo com as pesquisas realizadas junto à comunidade local, sendo um dos principais informantes o Sr. Dealmo José Francisco, a Banda Luar era uma das melhores do país, apreciada por muitos. Os integrantes eram exímios instrumentistas, o que fazia com que o nível musical fosse excelente.

Assim como os demais grupos na época, a Banda apresenta-se em lugares de acesso bastante difícil. Não era fácil, em alguns casos, chegar ao local da apresentação ou do baile. O meio de transporte utilizado pelos instrumentistas era o cavalo. Não importava se o tempo estava bom ou se chovia, ou mesmo se as estradas estavam totalmente enlameadas, o músico ou o grupo instrumental contratado, tinha de estar no local e na hora combinada. Não raras vezes, os músicos estavam muito cansados, não conseguindo controlar o sono, quando do retorno aos seus lares. Mas, conforme lembranças de Benno W. Müller, partilhadas na ocasião da entrevista, em 1º de maio de 1993, em Brochier:

 

Graças aos cavalos, que já sabiam o caminho de volta, os músicos conseguiam chegar sãos e salvos!

 

            A Banda Luar era formada por dois saxofonistas, Dealmo José Francisco e Benno Willibaldo Müller, dois trompetistas, Anselmo Alebrandt e Leo Sich, um trombonista, Edemar José Francisco, um trompista, Darci Palage, um acordeonista, Sirineu Esswein, e um baterista, Rui Alebrandt. Uma das particularidades da Banda Luar era a inclusão do violino no grupo, o qual era executado por Edvino Willers.

            Na mesma localidade da Banda Luar, em Brochier, existia uma banda anterior, na qual apareciam os instrumentos musicais de sopro, comuns às demais bandas, violino e contrabaixo, também denominado de “rabecão”. Os músicos eram Alberto Willers, Arnoldo Lerman, Leopoldo Closs, Edvino Willers, Waldemar Fauth, Aldolfo Wrich e Hugo Koppe.

            Ainda em Brochier, na década de 1940, foi possível presenciar o surgimento de um grupo de músicos que já cultivava outros gêneros musicais, além das músicas da bandinha típica alemã. Era o aparecimento do jazz no interior de Montenegro. Sabe-se, através da historia do jazz, que esta música teve apreciadores em todo o mundo. No Brasil, a maior ênfase foi no período posterior à II Guerra Mundial, principalmente em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No entanto, no interior de Montenegro, há alguns exemplos da difusão deste gênero musical no meio das bandinhas, o que foi demonstrado nos conjuntos Jazz Brasil que, mais tarde, mudou o nome para Jazz Brochiense.

 

Jazz Brochiense, de Brochier, em 25/09/1943.

           

Por volta do ano de 1945, em Maratá, local próximo à Brochier - e que, em tempos anteriores, formavam um só distrito, chamando-se Brochier do Maratá - existia uma bandinha, formada pelos músicos Oscar Lengler, no bandoneon, Walter Lengler, no violino, Augusto Rücker, no cavaquinho, e Beno Kirsten, com violino, gaita e flauta. Porém, o registro do nome desta bandinha foi perdido, restando poucas informações a respeito. Sabe-se, porém, que encerrou suas atividades em 1965 (KAUTZMANN, 1986, p.278).

            Na cidade de Montenegro, sede do município, também foi grande número de grupos instrumentais, tanto as bandinhas típicas alemãs, quanto as de jazz, bem como as de caráter mais erudito. Na última década do século XIX, havia duas bandas de música, a de Abel Z. da Paixão e a de Antônio Kroeff. Estes grupos instrumentais animavam a maioria dos eventos da localidade, como casamentos, jogos de futebol, festas de tiro ao alvo, corridas no antigo prado e nos coretos.

Posteriormente, surgiram outros grupos, dentre os quais podem ser citados a Banda José Rodrigues da Silva, a Banda de Getúlio da Paixão, a Banda de Miguelino Silveira, a Banda de Osvaldo Cornélius, e a Banda de Afonso Franco Martins, todas elas surgidas no início deste século. Em 1917 foi fundada a Banda de Oto Steigleder. Em 1920, com a mudança do maestro Maurice Maissiat para a cidade de Montenegro, também foi fundada uma grande banda. Esta, todavia, durou pouco, pois o maestro teve de transferir novamente sua residência para Uruguaiana, decretando a finalização de suas atividades. Três anos após, em 1923, foi criada a Banda de Música Independência, cuja regência ficou a cargo do maestro Leopoldo Gemmer.

Em meados de 1937, com a vinda do maestro Gustavo Koetz para a cidade, foi fundada a Banda de Música Gustavo Koetz. De acordo com as informações de Adenilo Edgar Rübnick, em entrevista datada de 28 de maio de 1991, havia uma grande carência de conjuntos musicais e, por esta razão, a Associação Comercial de Montenegro decidiu adquirir um conjunto completo de instrumentos musicais, com o intuito de formar uma Banda Municipal. Em pouco tempo foram recrutados os músicos necessários para a sua formação e, em seguida, a banda já estava se apresentando em diversos locais da cidade. Atingiu seu auge entre 1931 e 1932, quando chegou a contar com vinte e um instrumentistas. Ao mesmo tempo foi formada uma orquestra com repertório erudito, cujo intuito era atuar em bailes e outros eventos.

A Orquestra Melódica Abílio Marca, que depois trocou o nome para Orquestra Marajoara, atuou em bailes e demais festas em Montenegro e outros municípios. Dentre seus integrantes, estavam Abílio Marca, o regente, Celene Marca, pianista, Ademar Zimermann, baterista, Acácio Braga, executando o contrabaixo - também chamado de rabecão - e Darci M. da Silveira, acordeonista.

 

Orquestra Melódica de Abílio Marca no Carnaval Montenegrino, década de 1950.

 

            Mais tarde, em meados de 1960, foi fundada a Bandinha Rosa da Primavera, com instrumentistas provenientes de diversos locais da região. Animavam bailes e festas no interior. Compunham este conjunto instrumental Miguel Veríssimo e Arno Luis V. da Silveira, acordeonistas, Valter Kruh, trombonista, Erni Augustin, baterista, Hugo Nabinger e José Kremer, saxofonistas, Roque Kremer, executando o trombone baixo, e Álvaro Leite da Rosa, trompetista. Por volta de 1973, a Bandinha Rosa da Primavera encerrou as atividades.

            Outras bandas apareceram na região, sendo que algumas incluíram o jazz em seu repertório. Com esta proposta, em 1938, surgiu o Jazz Guanabara, organizado por Artur Gallas. No mesmo ano, outro conjunto, o Jazz Azul, também atuava bastante. Este grupo foi organizado e dirigido pelo maestro Emílio Cornelius. Formado por doze músicos, possuía um repertório bastante extenso, incluindo boleros, tangos, valsas argentinas, rumbas e mambos, sendo que este último gênero musical consagrou o grupo. Dentre os instrumentos musicais, faziam parte o violino, o bandoneon e o contrabaixo.

Posteriormente, outros grupos musicais foram surgindo. Por volta de 1950, João Carlos Marca montou o Jazz Montenegro. Entre tantos conjuntos, alguns continuaram em atividade, ao passo que outros foram desfeitos. Apareceram grupos como Trio Montecarlo, Conjunto 2001, Show Ritmo 100, Tip Top, The Red Dragons,  Taboo, Conjunto Irmãos Rosa, Grupo Experiência, Banda Verde, Santo de Casa, Locomotiva, Champion, Amazônia, Flor da Serra, Som Arte, dentre os que foram encontradas informações durante pesquisas desenvolvidas neste sentido.

Ao apresentar as bandinhas típicas alemãs que compuseram o cenário artístico-musical da Região de Montenegro, é possível que se tenha omitido algumas. No entanto, todas as referências que constam neste relato são fundamentadas em entrevistas com pessoas que participaram ou continuam participando do cenário cultural da região, ou mesmo em registros escritos ainda existentes. Deve-se salientar o caráter pioneiro deste estudo, na medida em que é uma das primeiras tentativas de contar a história musical nesta localidade. Buscou-se, assim, oferecer informações para o resgate da história da música instrumental na localidade.

 

 

Referências

 

DICIONÁRIO DE MÚSICA ZAHAR. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985.

 

KAUTZMANN, Maria Eunice Müller et al. Montenegro de ontem e de hoje. São Leopoldo: Rotermund, 3º vol., 1986.

 

WOLFFENBÜTTEL, Cristina Rolim. A música na região de Montenegro. Porto Alegre: Mercado Aberto/FUNDARTE, 1996.

 

 

 


[1] Região de Montenegro é um termo criado pela autora para incluir distritos atuais e que anteriormente faziam parte do município. Fazem parte da Região de Montenegro: Alfama, Bananal, Batinga Norte, Batinga Sul, Bom Jardim, Brochier, Campo do Meio, Chapadão, Costa da Serra, Despique, Estação Esperança, Faxinal, Fortaleza, Harmonia, Lajeadinho, Linha Dom Diogo, Linha Pinheiro Machado, Macega, Maratá, Matiel, Montenegro, Muda Boi, Novo Pareci, Pareci Velho, Passo da Cria, Passo da Pimenta, Passo da Serra, Pinheiros, Porto Pereira, Salvador do Sul, Santos Reis, Serra Velha, Sobrado, Vapor Velho, Vitória e Uricana.